domingo, 17 de abril de 2011

Metade (Oswaldo Montenegro)

Que a força do medo que tenho Não me impeça de ver o que anseio.

Que a morte de tudo em que acredito Não me tape os ouvidos e a boca

Porque metade de mim é o que eu grito Mas a outra metade é silêncio.


Que a música que ouço ao longe Seja linda ainda que tristeza

Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada Mesmo que distante

Porque metade de mim é partida Mas a outra metade é saudade.


Que as palavras que eu falo Não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor

Apenas respeitadas Como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos

Porque metade de mim é o que ouço Mas a outra metade é o que calo.


Que essa minha vontade de ir embora Se transforme na calma e na paz que eu mereço

Que essa tensão que me corrói por dentro Seja um dia recompensada

Que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso Que eu me lembro ter dado na infância

Por que metade de mim é a lembrança do que fui Mas a outra metade eu não sei.


Que não seja preciso mais do que uma simples alegria Pra me fazer aquietar o espírito

E que o teu silêncio me fale cada vez mais

Porque metade de mim é abrigo Mas a outra metade é cansaço.


Que a arte nos aponte uma resposta Mesmo que ela não saiba

E que ninguém a tente complicar Porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer

Porque metade de mim é a platéia A outra metade é a canção.


E que a minha loucura seja perdoada

Porque metade de mim é amor E a outra metade também.


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